terça-feira, 9 de agosto de 2011

Não há vagas (...). E o salário do Professor não cabe no poema.


Depois de quase 60 dias em greve, acordo com a seguinte manchete no Estado de Minas: Associação quer ação contra greve dos professores. Logo me lembrei da poesia de Ferreira Gullar o preço do feijão não cabe no poema, o preço do arroz não cabe no poema, não cabem no poema o gás, a luz o telefone, a sonegação do leite, da carne, do açúcar, do pão (...).
Primeiramente, vale ressaltar aqui aos dirigentes da FAPAEMG-Federação das Associações de Pais e Alunos do Estado de Minas Gerais que a greve não é só dos professores, mas sim de todos os trabalhadores em educação das escolas estaduais de Minas Gerais, que fazem parte do processo educacional, e essa categoria é bastante ampla, abrangendo professores, pedagogos, secretárias, merendeiras e tantos outros, os quais têm salários ínfimos e também são pais de alunos que, em sua maioria, estudam em escolas públicas; os trabalhadores em educação também não têm como ficarem próximos a seus filhos, pois se submetem a cargas horárias exaustivas para sobreviverem.
Nesse sentido, como professora de História, sinto-me no dever de fazer uma reflexão sobre o que é educação, para tentarmos entender o porquê de os governos não valorizarem os profissionais em Educação, e muito menos os educandos deste país.
Penso também no papel das associações de pais e alunos, que argumentaram com o Ministério Público de forma errônea e descontextualizada da importância de uma Educação de qualidade.
O fato é que: a Fapaemg recorreu à Promotoria da Infância e da Juventude na esperança de que uma medida judicial pusesse fim à greve dos Educadores, com o argumento de fazer valer o preceito constitucional de que toda criança deve estar na escola e que estas têm direito a 800 horas de aula, distribuídas em 200 dias letivos.
O que posso afirmar aqui é que cabe, sim, ao Ministério público obrigar o Estado a garantir uma educação pública de qualidade, bem como garantir o pagamento do piso salarial nacional dos profissionais em Educação, já que o Ministério Público é o guardião da Lei e do Interesse Público, e essa lei foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
O que me espanta é que os argumentos utilizados pela Associação não se baseiam em estatísticas. Nesse sentido, a quem interessa essa reclamação?
A Fapaemg argumenta ao Ministério Público que é “notável o aumento no atendimento de crianças e adolescentes em hospitais e postos de saúde da capital, pois muitos menores, fora da escola, estão mais vulneráveis a acidentes domésticos, ao uso de drogas e até a prostituição”. “A sociedade está perdendo muito. Muitas dessas crianças não vão voltar para a escola e estão fadadas a entrar nas estatísticas policiais e a virar notícia como vítimas ou autores de crimes violentos”, argumenta o representante dos pais e alunos, lembrando que muitos menores carentes vão à escola para se alimentar”. (Fonte: Jornal Estado de Minas do dia 06.08.2011-in www.em.com.br)
Nesse sentido, ficam os meus questionamentos sobre o papel real da Educação, sobre o dever do Estado e o que se espera da Justiça Mineira. O que consigo visualizar é uma mudança de valores sobre a finalidade da Educação Pública.
O que se apresentou na manchete do jornal é que o Promotor responsável em conciliar professores, Estado e pais de alunos, para que a greve chegue ao fim, analisou preliminarmente que: “A escola serve se ensina; se não ensina, não serve”.
A Fapaemg argumenta, ainda, que considera a greve uma “covardia social” no que diz respeito aos alunos que irão prestar vestibular e o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) neste ano de 2011.
Na verdade, caros, pais a questão é que os governos sempre demonstraram um descaso para com os educadores e também para com os alunos e pais de alunos em todo o processo educacional. O problema da violência, da pobreza, das drogas não é algo de responsabilidade do professor, que, na maioria das vezes leciona em condições precárias, tornando-se vítima dessa situação, que envolve as áreas de Justiça, Assistência Social e Segurança Pública, sobre as quais o professor não tem qualquer domínio.
Sabemos que a sociedade vem sofrendo transformações e a escola continua atrasada, por culpa exclusiva do Estado, que nunca levou a sério a educação recebida pelos filhos das classes trabalhadoras, pois o que é fato notório é que a escola pública não recebe os filhos das famílias mais abastadas desse país e muito menos filhos de políticos e, certamente, por isso, a escola não é valorizada, muito menos os profissionais que trabalham nela.
O que observamos no nosso dia a dia escolar é que a família, núcleo primordial de educação, tem delegado esse papel para a escola, já que os pais precisam trababalhar e necessitam de um lugar para deixar os seus filhos.
Não se pode exigir que os profesores, além de ensinarem os conteúdos programáticos exigidos pelo Ministério da Educação, tenham também que exercer a função educativa que compete aos pais. Por isso, a argumentação expendida pela FAPAEMG é incorreta, demonstrando clara inversão de valores sobre o papel da escola e do legítimo responsável por seu funcionamento, que é o Estado.
Toda a sociedade democrática é responsável pela formacão das crianças e jovens desse país, mas não podemos eximir o governo da obrigação de garantir os direitos dos trabalhadores em Educação a um salário digno e a condições de trabalho salubres e seguras, pois verificamos o adoecimento dos integrantes da categoría.
Somos conscientes de que os problemas da fome e da violência existem, mas não se pode atribuir aos trabalhadores da Educação uma responsabilidade que cabe à União, aos Estados e Municípios, que têm recursos para resolvê-los, mas que nunca sobram.
Onde está sendo investido ese dinheiro? O Ministério Público tem o papel de investigar.
O fenômeno da violência é muito amplo e surge em variadíssimos contextos e não somos nós profesores os redentores da escola, muito menos porque não podemos e não temos como ser. Não iremos pagar esse preço, que não é da nossa responsabilidade.
Terminando este texto, quero dizer que todos somos vítimas dos antigos e do atual governo, inclusive os trabalhadores em educação, os alunos e os pais e continuo recitando tristemente o poema de Ferreira Gullar, que pode ecoar até ao Ministério Público, para que os promotores reflitam:
O funcionário público não cabe no poema, com seu salário de fome, sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras, porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema o homem sem estômago, a mulher de nuvens, a fruta sem preço O poema, senhores, não fede nem cheira. E agora: o aluno e o professor cabem no poema?
Lídice Gomes Pimenta da Silva Pereira/Governador Valadares MG.

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