Há
um ano, no dia 10 de maio de 2011, fui a uma audiência pública na
Assembleia Legislativa, que tinha como tema “O cenário da Educação no
Rio Grande do Norte”. Assim que cheguei, soube que havia espaço para
alguns de nós, após a fala d@s ilustres convidad@s. Então, tratei de
garantir a minha fala naquela ocasião em que tod@s @s responsáveis pela
educação estavam presentes.
No
começo, estava insegura, pois não tinha me preparado e cheguei a pensar
em desistir. Mas quando percebi que deputad@s, promotora e secretári@s
falavam, falavam, e não diziam nada sobre o tal do cenário da educação,
percebi que o mínimo que eu dissesse sobre a nossa realidade estaria
mais adequado do que a coletânea de números e frases prontas derramadas
ali. Confesso que estava incomodada com todo aquele faz de conta, mas a
gota d'água foi a infelicidade da secretária de educação, Betânia
Ramalho, ao dizer que não ia falar sobre os problemas da educação porque
isso “todo mundo já sabe”. Aquilo passou dos limites. Poxa! Estávamos
numa greve com adesão de 90% d@s trabalhadores (as) em educação do
estado, e a responsável pelas negociações foi ali dizer que nós não
precisávamos falar sobre problemas?! Como pode?!
Mesmo
que eu não quisesse, era obrigação falar sobre “o cenário da educação
no RN” do ponto de vista de quem vive e constrói a educação, e não do
ponto de quem a destrói, para depois maquiá-la com frases de efeito
retiradas de compêndios pedagógicos e administrativos. De fato, todo
mundo já conhece as muitas faces do caos da educação, inclusive a
secretária. Mas não é por isso que vamos deixar de falar da nossa
correria de uma escola para outra, dos nossos salários vergonhosos, das
dificuldades para lecionar em salas quentes e “populosas”, da falta de
material pedagógico, da falta de formação para @s profissionais das
escolas...
Não
deu outra: falei. Mesmo imaginando que ali ninguém estava interessado
em saber da vida real, pois eles vivem mesmo como em contos de fadas.
Não disse nada de extraordinário. Apenas a realidade, o “que todo mundo
já sabe”. Acontece que o vídeo foi parar na internet, visto mais de 2
milhões de vezes, e acordou algo que estava adormecido. As pessoas se
indignaram ao constatar que o cenário da educação aqui era, na verdade, o
cenário da educação no Brasil.
A
repercussão foi inacreditável. Na época, todo jornalista queria saber o
que tinha mudado na minha vida após o vídeo. Não mudou nada. Porém,
acho importante fazermos outra pergunta: “após um ano, o que mudou na
Educação?”. A resposta, eu sei, está na ponta da língua e é a mesma de
Norte a Sul: “infelizmente, nada!”. Já aqui, em terras potiguares,
algumas coisas mudaram... para pior.
A
novidade aqui é que a promotora da educação ficou zangada com o meu
atrevimento em dizer que professores comem o cuscuz da merenda e fez uma
força-tarefa de fiscalização do cuscuz. Até gente de Brasília (pasmem!)
veio aqui saber que história era essa. A pressão foi tanta que hoje, em
nenhuma (ou quase nenhuma) escola de Natal, @s diretores(as) se
arriscam a dar um prato a seus colegas. Isso mesmo! O cuscuz, que antes
era alegado, hoje é negado!
Na
rede municipal, a novidade é que a prefeita Micarla de Sousa (PV) achou
que @s professores (as) estavam exigindo muito: formação continuada,
piso nacional, aplicação de 1/3 de hora-atividade... E tratou de nos
mostrar que tinha gente querendo o nosso emprego. Agora, aqui na
capital, basta ser indicado e ter concluído o Ensino Médio para ser
contratad@, via empresas terceirizadas, para assumir uma sala de aula do
Ensino Fundamental I. E não se incomodar em receber um salário mínimo.
Para este caso, a promotoria não organizou força-tarefa.
Como
se vê, a educação não passou a ser prioridade, nem aqui no Rio Grande
do Norte, nem em nenhum estado. O desrespeito a professores (as) e
alun@s é o mesmo. É como se o nosso drama fosse algo invisível. Continua
existindo a ideia de que o caos na educação é uma fatalidade, que não
pode ser transformado, que é algo normal.
Nosso
piso nacional – o mínimo – ainda não é pago em 15 estados! O nosso
salário continua uma miséria, e nós temos que pular de escola em escola
para multiplicá-lo. Enquanto isso, governantes, vereadores (as) e
deputad@s se fingem de ceg@s, surd@s e mud@s. Quando falam, é para nos
culpar pela crise, ou para nos pedir paciência e tolerância.
Nesse
cenário de abandono, indiferença e até crueldade, é importante lembrar
que uma oportunidade está indo embora. O Plano Nacional de Educação
(PNE), que ainda está sendo discutido no Congresso Nacional, poderia
aumentar os investimentos na área e melhorar as condições para
trabalhadores (as) e alun@s. Hoje o investimento em educação se limita a
cerca de 5% do que o país produz, do PIB. Precisaríamos de pelo menos
10% do PIB para que a situação começasse a mudar. Mas, infelizmente, o
governo não promove nem essa mudança básica. Se pensarmos que 23% do PIB
é destinado ao pagamento de juros da dívida pública, podemos ver quais
são as prioridades dele.
Por
outro lado, posso dizer que uma coisa mudou para melhor depois daquele
dia: nossa disposição de luta. O vídeo teve um efeito importante nas
escolas, entre professores (as), funcionári@s e mesmo entre @s alun@s.
Entre nós, agora repetimos: “Não dá, não posso, não tenho condições!”. E
não temos mesmo. Não temos condições de aceitar isso.
No
ano passado, milhares de professores, em quase todo o país, disseram
que não tinham mais condições. Levantaram a cabeça e pararam as aulas,
dando uma lição diferente. Foram greves fortíssimas, com entusiasmo.
Tenho orgulho de ser parte disso. Fico feliz quando alguém me diz que
minha fala no vídeo lhe inspirou a fazer alguma coisa, a lutar...
Isso,
sim, mudou. Pode parecer pouco, mas não é. Nunca tive a ilusão de que
os governos, por boa vontade, iriam melhorar a situação das escolas,
nossos salários, ou nossas condições de vida e trabalho. Sempre soube
que não dava para ficar esperando, que a mudança teria que partir da
nossa força, da nossa luta e união.
Essa
pode parecer uma mudança pequena, mas para mim foi a mais importante.
Saber que podemos, sim, pedir a palavra, nos unir aos alun@s, aos pais e
mães deles (as) e a tod@s que acreditem que não existe uma sociedade
minimamente digna sem educação, para exigir uma mudança fundamental para
o futuro das gerações educadas por nós. Enfim, nesse ano, os governos
não mudaram de atitude. Mas nós mudamos. E isso faz toda a diferença.
Nenhum comentário:
Postar um comentário